• A narrativa trivial

A narrativa trivial faz parte do dia a dia de todos mediante veículos variados: televisão, cinema, revista, livro, videogame, 3D. Em gêneros diversos, da novela à telenovela, do faroeste à science fiction, do desenho animado à novela de detetive, reitera um esquema ético à base de estereótipos, sem jamais realmente se aprofundar o que aí se considera bem e mal. Quanto mais igual a estrutura profunda, maiores são as variantes de superfícies. Trata-se de um intenso e extenso processo de doutrinação e manipulação ideológica. Ao querer somente se distrair e divertir, o receptor vê reiterados preconceitos e pré-juízos. Vegeta, ao invés de pensar. Recebe doutrinação como se fosse pura diversão. Cultiva a passividade, desiste de pensar. Identificando-se com heróis idealizados, ele foge à conscientização da realidade. O progresso na tecnologia de comunicação não leva por si a um progresso da razão. Pelo contrário, ele é usado para cultivar ainda mais a crendice e a regressão mental. Com o avanço da eletrônica, cresce a barbárie: não apenas no sentido de nunca a "humanidade" ter se dedicado tanto à destruição mútua e do planeta, mas de usar os meios de comunicação para propagar formas primitivas de crenças, sem que isso sirva para reunir forças de emancipação. Cada vez são mais sutis e diferenciados os modos de promover a regressão, cada vez mais as pessoas são seduzidas e dominadas pela sofisticação de imagens e sons. Este ensaio sobre gêneros básicos da narrativa trivial se contrapõe a essa avalanche da mídia. Procura decifrar o gesto semântico da estrutura profunda que serve de denominador comum ao trivial e aposta, assim, numa razão crítica que, se não for salvação coletiva, ao menos pode ser um avanço subjetivo ao domínio das sombras. Com isso vai além do horizonte do trivial, sem regredir ao silêncio de quem se supõe portador de uma verdade revelada. Trata de discernir a estrutura profunda em diversos gêneros básicos da narrativa trivial para indiciar um inconsciente coletivo que vai além deles e permeia os valores que orientam as pessoas em seu modo de pensar, crer e agir. Sob a aparência de milhões de variantes em nível de estrutura de superfície, a narrativa trivial encena, em sua estrutura profunda, o ritual da eterna vitória do bem sobre o mal, definidos a priori, maniqueistamente, sem maior discussão. Essa reiteração é obsessiva e doentia, um eterno retorno do igual. Sob a aparência de diversão, faz uma doutrinação, em que os pré-conceitos do público são legitimados e auratizados. Se a comunidade tanto precisa contemplar o rito da salvação dos bons, involuntariamente caricatos, e a condenação de maus, intencionalmente estereotipados, ela indicia que contempla criminosos ostentando públicas virtudes, vivencia a negação do que lhe precisa ser obsessivamente reiterado para que possa continuar crendo: busca na narrativa trivial a versão laica da promessa de redenção que o cristianismo afirma já ter ocorrido e que as religiões, embora procurem usufruir do monopólio da salvação, parecem ter-se tornado impotentes de garantirem. Tanto a versão laica da salvação na narrativa trivial repete as religiões dominantes quanto mostra que elas já são impotentes para realizar uma promessa que os séculos cada vez mais desmentem. Ela ostenta a difamação como se fosse defesa da virtude. Utilizando, para isso, de todos os meios de comunicação, supera a literatura que a originou, a ponto de quase torná-la uma forma obsoleta de veiculação. Hoje, com a televisão, substituem-se a maior parte das funções desempenhadas tradicionalmente pela literatura, e, com o videogame, a ficção passa como que a ser "criada" pelo "receptor", que se torna uma participante "ativa" do mundo em que mergulha, mas a sua atividade é toda prevista e pré-programada. Chega-se, assim, concretamente à tese do fim da arte; não, porém, no sentido hegeliano de sua superação por formas superiores de conhecimento, e sim por formas superiores de aparências.

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Autor Kothe Flávio
Editora Editora UnB
Idioma PORTUGUES
Encadernação BROCHURA
Páginas 250
Ano de edição 1994
Faixa etária

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