Um ensaio sobre a escrita da história é a temática que norteará a leitura das páginas que seguem. Quanto ao objeto, investiga-se um personagem chamado Domingos Fernandes Calabar. Mameluco, nascido em Porto Calvo, sua atuação nas guerras pernambucanas do açúcar, travadas entre os holandeses e os luso-brasileiros, ganhou grande relevo tanto na historiografia quanto em outros gêneros de escrita da história. O acontecimento que virou fato histórico foi a mudança de lado de Calabar nos idos do ano 1632, passando do lado da resistência luso-brasileira para o dos atacantes neerlandeses. Uma autêntica traição que ganho interpretações bastante variadas. Foi no rastro das interpretações acerca da traição de Calabar que se chegou a diferentes narrativas construídas, ainda que em temporalidades distintas, sobre o mameluco. Como pano de fundo, aparecerá a constituição do pensamento histórico no Brasil, desde as práticas letradas trazidas do Império Português, como as crônicas; passando pela produção de um discurso historiográfico, embora não como gênero homogêneo e consensual sobre o passado, nos tempos do Brasil Imperial; até as narrativas literárias desenvolvidas de finais do século XIX até o século XX.
Personagem histórico de importância mediana, Calabar caiu prisioneiro de mitos e, por isso, nossa autora subintitula seu livro de “a história do mito e o mito na história”. Trata-se, no fundo, do embate entre a História e a Memória, a História que tenta reconstruir e explicar o passado, fiel à pesquisa documental e aos fatos, e a Memória, que produz uma pseudo-história conveniente ao seu tempo. Calabar foi tido como traidor para os intelectuais brasileiros do XIX, mas transformado em herói nos “anos de chumbo” do século XX. O mesmo ocorreu com Zumbi dos Palmares, hoje tornado célebre, quase endeusado, como o principal líder da resistência negra contra a escravidão no século XVII, porém omitido ou destratado pelos historiadores oitocentistas, intelectuais de uma sociedade escravista. De Calabar, o personagem, se conhece muito pouco. De Zumbi, menos ainda. Mas o que está em causa, neste ponto, não é a biografia de um ou de outro, mas a memória sobre eles construída, em diferentes tempos, memória que sempre busca disfarçar-se de história. Coitada da História, tão vulnerável a apropriações de ocasião. Regina de Carvalho Ribeiro da Costa oferece ao leitor um livro que, através de Calabar, ensina como funcionam tais operações de reconstrução do passado à luz do presente, e assim nos conduz a vários passados e a diversos presentes. Calabares, no plural, para usar uma expressão da própria autora.
Do prefácio de Ronaldo Vainfas.
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Autor |
Costa da |
Editora |
Telha |
Idioma |
PORTUGUES |
Encadernação |
BROCHURA |
Páginas |
236 |
Ano de edição |
2020 |
Faixa etária |
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