Apesar do subtítulo diários, e da aparente organização cronológica de boa parte do livro, o texto não é de não-ficção. O volume apresenta poemas, contos, crônicas e outras formas textuais. “Um diário, em princípio, deve ser publicado tal como foi transcrito a partir da anotação original. Foi aí que entrou a imaginação do escritor. Em vez de reproduzir os textos tais como eles emergiram, me propus a tarefa sem fim de reescrevê-los. Ou seja, transformei o diário em literatura, coisa que até certo ponto ele já é, mas só até certo ponto. E ao reescrever fui alterando os fatos vividos, dando-lhes forma de ficção e/ou de poesia”, explica o autor. O poeta Antonio Cícero também opina sobre o assunto na orelha do livro: “Em outras palavras, seria inadequado aplicar-lhe a distinção convencional entre ficção e não-ficção. Do mesmo modo, embora, prima facie, tendamos a qualificar vários dos textos de Retrato desnatural como poemas, outros tantos como ensaios, outros ainda como crônicas, ou pensamentos, ou contos ou — usando um neologismo cunhado pelo próprio autor — como interversões, a verdade é que, de maneira geral, nada lhes é menos interessante do que a conformação a tal ou qual gênero.” O leitor atento encontrará referências a grandes mestres da literatura brasileira em todo o volume, a começar pelo título, que faz menção a um dos livros de Cecília Meireles, Retrato natural. “Digamos que eu tentei ‘desnaturar’ o ‘auto-retrato’ de Cecília, procurando lhe dar uma feição mais contemporânea, menos tradicional.” Na série “Respirações”, em que o autor redicionariza palavras de forma poética, a referência é o autor de Grande sertão: veredas: “Guimarães Rosa disse, na famosa entrevista a Günter Lorenz, que seu sonho seria um dia escrever um dicionário. [...] O que fiz, creio, foi tentar fazer um glossário poético e ficcional que destacasse diversas palavras e lhes fosse atribuindo novos sentidos.”